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domingo, 28 de fevereiro de 2010


o domingo oprime o trabalho

lá fora chove

não tenho roupa para tirar do estendal

que prazer não ser

coçar os olhos

só isso

ou tirar burriés com o dedo mínimo

moluscos de ranho


um xaile pelas costas

e o meu cérebro uma massa gelatinosa em lume brando


sábado, 27 de fevereiro de 2010




cláudia lucas chéu is downloading a new version of paradise






o paraíso de être


vou baixar o ficheiro


e fazer a transferência de ego


para um local distante




o meu disco rígido não permite instalar acessórios


é preciso apagar ficheiros


para guardar pedras novas


e diamantes por encontrar






a versão do paraíso pode ser pirateada


convém que o seja


il en faut peu pour être hereux mais noblesse oblige




hoje sou a poliglota dos temporais

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010


eu não durmo, viajo.
tudo é parte da mesma ficção.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010


eu fui à bélgica de aviããão

no aeroporto encontrei um borrachão

pisquei-lhe o olho

apertei-lhe a mããão

mas o que ele queria

era um ponto de interrogação

stop



letra da canção de jogo infantil com palmas

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

anne marie schwarzenbach


o primeiro pseudónimo que usei na adolescência foi anne marie. não sei explicar porquê. hoje esbarrei casualmente numa mulher com esse nome. uma artista suiça: fotógrafa, escritora e jornalista.


também esta anne marie anda de bicicleta e tem o cabelo curto. escreve, para além de outras coisas. e viaja, muito. é conhecida sobretudo como viajante. que privilégio.


as coincidências são objectos achados na rua. alguém os perde para que possamos encontrá-los.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010


porque é que ainda se limpa a casa à mão? não há ainda uma máquina que faça tudo, um robot barato a bateria ou a pilhas que execute todas as tarefas domésticas eficientemente. é que não há paciência para limpar uma coisa que não tarda nada já está suja outra vez, cheias de carrapetas de porcaria, pó, ranço nas loiças do banho, teias-de-aranha, cotão. enfim, um sem número sujidades que nascem simplesmente da nossa vivência num espaço.

por enquanto a alternativa é contratar mão alheia, ser gentil e oferecer-lhe luvas que preservem sãs e santas tais entidades. eu já tenho as luvas, mas as mãos são as minhas. próprias.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010



a barata de kafka


gigantesca


enfaixada e contente


dentro da cena

sábado, 20 de fevereiro de 2010



fui eleita fui escolhida
sou a noiva bergariana
a prima donna do cinema sueco
sou a noiva bergariana
vou começar a arrumar a tralha toda
uma escova de cabelo
uma escova de dentes
um secador ou se calhar compro lá
eles lá têm o ikea
e o salmão
e o caviar
isto é que vai ser
o inicio
o despertar
antes do despertador tocar vou-me pôr a mexer
se me beliscam ainda apanho um susto
eu a nova musa
eu a boneca perversa do cinema sueco
eu eu eu






Cláudia Lucas Chéu in Mesa 4

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010


escrever para teatro

o que é isso?
grafittar a boca de cena com spray dourado?
pego na caneta e risco a pele
tatuo sílabas plo corpo todo

o cérebro explícito

primeiro na folha

depois na língua do actor

a palavra com cuspo

é isso que me interessa

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

moça prendada


tenho uns coullotes com rendas

herança do meu avô paterno

o polainas

só isto

uns coullotes

grandes gigantescos

parecem uma tenda

deduzo que minha bisavó fosse um elefante fêmea


sou a primogénita

fiquei com eles

e farei talvez

uns cortinados

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010




post it no espelho do quarto-de-banho:



b o a n o i t e










silêncio.



terça-feira, 16 de fevereiro de 2010


onde há corpo habita a lama
a dislexia da alma
não há lodo para enfiar as mãos
e sujá-las
na imagem és só desenho
sem o corpo nu debaixo da roupa
no écran
no outro lado da imagem
nunca te despes
e sem corpo existes

comprei-te pilhas e baterias de voz
sei que estás triste e um andróide não pode chorar
sei que queres fazer amor com saliva e suor a escorrer-te das bocas
não temos um quarto com paredes


na poesia visceral reside o vómito
a escatologia da palavra
é o veneno que vais tomar
e regurgitar de prazer
ao deixar uma nota
um bilhete
numa rede social a dizer
adeus

deixa-me então vinte anos agarrada à moldura
penélope sem filhos
sem reprodução possível que me salve
on line
na linha
sem agulha real para me coser
e emudecer sozinha

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010


quem dera ser gôndola no carnaval de veneza

ou galochas pisando a piazza san marco


ser o canal entre a festa e a inundação

esse limiar efémero

o acto de representação

domingo, 14 de fevereiro de 2010


Biografia de São Valentim


Livros antigos mencionam pelo menos três santos de nome Valentim, todos mártires, com comemoração em 14 de fevereiro.
Um deles é descrito como padre em Roma que lutou contra as imposições do imperador romano Claudius II Gothicus, que proibia que se venerassem outros deuses que não os romanos. Ele foi decapitado num dia 14 de fevereiro, na segunda metade do terceiro século, por volta de 270. Foi enterrado na Via Flaminiana, no lugar onde foi martirizado e neste local o Papa Júlio I mandou levantar uma basílica, outrora muito venerada. Este culto espalhou-se para Terni, onde o povo o chamava de bispo e então surgiu o erro de existirem dois santos Valentim.
Tudo o que se sabe sobre o terceiro São Valentim é que ele teria sofrido um martírio em África com alguns companheiros.

conclusão: o dia dos namorados é um assinalável momento de sofrimento, como tudo na igreja católica.

,

sábado, 13 de fevereiro de 2010


este país não é para honestos


quem fingir melhor leva uma bolsa de estudo


ou um prémio




emigra e aprende a dizer a verdade.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010



hipertexto
do latim
inexistente
singular masculino
sequência de texto
que permite remissão
para outro lugar
documento
ficheiro
página da internet
etc.
hiper
texto
supermercado de palavras
com sílabas novas
directamente importadas
das américas
hiper
delete
texto

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

incorpóreo


vi no écran
o que era um papel


não quis acreditar na brancura
fluorescente
desta cor


disseram-me que vinha de dentro
esta luz
mas não entendo
eu apenas carreguei no on

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010


O hipertexto é uma colcha de duas fases, reversível consoante o gosto de quem a usa, um patchwork em progressão. E como uma colcha, é também extensível conforme o cliente que se tapa. Não está preso ao colchão, não se entalam as pontas, pois por elas se poderão puxar caso haja acomodações de última hora. O texto cibernético, é uma espécie de secção do IKEA, onde as mantas se amontoam (passo o pleonasmo) e parecendo todas iguais têm um número de série que as distingue. As prateleiras estão organizadas por mantas, só que à semelhança das redes, não sabemos onde é o príncipio e o fim.
A irreversibilidade está destinada apenas ao livro impresso na 1ª edição e à retrosaria (extinta) da esquina.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010





não me pula o pé




para certas coisas










carraças de bichos




e jogos da macaca mal desenhados a giz




no alcatrão




em ruas sem carros








não me pula o pé




para sapatos de fivela apertados




e




unhas das mãos pintadas de rosa choque








pula-me




pula-me




água salgada




fria




a bater de chapão no peito nu e andar por ruas estreitas e sujas.




segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010


Página em branco na horizontal

domingo, 7 de fevereiro de 2010


o trânsito a andar e ele a conduzir com a ponta dos dedos. só com a pontas dos dedos. um taxista sensível, pensei, delicado. tinha um gorro verde de lã enfiado pela cabeça abaixo, um cachecol e um kispo, apesar do ar condicionado ligado no quente. não estava frio, sequer. o rádio do carro, desligado e ele lá ia acelerando pelo silêncio da cidade. eu ia sentada atrás, calada, a observar esta criatura toda tapada de lãs, que agarrava o volante na ponta dos dedos.

depois, o trânsito começou a entupir as vias e o taxista sensível, olhou para mim pelo espelho retrovisor. "as unhas estão a cair-me" e eu nada. "estive em quimioterapia durante um ano, mas tenho que trabalhar" e eu, pois. "tenho dois filhos: um com quatro e outro com doze e uma mulher com menopausa na cabeça" e eu, isso é que é pior. "o que mais me custou foi ver o pequenino a olhar para mim e a perguntar-me porque é que eu estava careca" e eu, silêncio absoluto, a olhá-lo nos olhos plo retrovisor. e ele a encher-se de lágrimas no abismo do olhar. e eu a apertar os dedos contra a napa do banco.

deixou-me à porta de casa. não pus a chave na fechadura. fui à mercearia comprar pão.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010




já fui ver ao dicionário



e até chorei


nunca pensei que fosse aquilo e aquilo matou-me




a sério



afinal estava enganada



dois turnos por dia dois turnos





e isto para quê?





devia ter fodido mais



já bebia um copo e depois saía daqui



eu saía daqui se conseguisse



eu é que não posso



não consigo não consigo não consigo




devia ter visto mais definições agora ainda não sei nada


mas também andamos todos ao mesmo


fim

com minúscula

do latim fine

singular masculino

termo limite remate alvo finalidade intenção morte

em conclusão para terminar finalmente por último finalmente


o que fazer agora? o que fazer?





Lídia in Poltrona- Monólogo para uma Mulher de Cláudia Lucas Chéu

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O onanismo é a nova geografia do mundo?

Existe algum momento que represente melhor o fluxo, do que o acto sexual solitário ou acompanhado? Penso que não. A forma de acedermos ao inconsciente é através da líbido, por isso um artista que funciona em fluxo, usa muito mais o corpo do que a mente. Também o cérebro é um orgão real, concreto e as ideias surgem de choques eléctricos entre as veias, tal como as sílabas que imprimimos no papel, inconscientes do momento da criação. O cérebro também é corpo. O corpo, sobretudo numa sociedade de consumo representa-se pelo sexo e não pelas relações, expressa a analogia entre a troca comercial e a sexual, que na nossa contemporaneidade, é a mesma coisa. O meu corpo é um objecto de troca, o meu sexo vale tanto como o meu cérebro, porque tudo é objectificado. Eis alguns dos príncipios primários: comer e foder. Em ambos, é também vísivel uma organicidade do racíocinio e a isso chamo fluxo. Longe de ser um racíocinio narrativo (pois a memória não funciona assim), o nosso cérebro é associativo ao criar. Os objectos associam-se de forma espontânea, orgânica. Falemos da revolução que não nos deixa livres no mundo e da guerra de estar fechado numa cozinha. Uma e outra falam do mesmo. O artista contemporâneo está em guerra com o corpo e em revolução com as palavras. Que avancem, ambas. Não queremos continuar enclausurados no onanismo.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010


sentado à mesa de luz pendente


baralhas-me a cabeça sem os setes, os oitos e os noves

jogas-me à sueca e perdes sempre



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010


montar um texto na cena

é fazer sexo com as palavras

duro

controlando o ritmo e o tom

mas pensar pouco

muito pouco


cavalgar até ao clímax

explodindo sílabas da esquerda alta para a baixa

só quando se abre a porta do inconsciente