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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Estranha-se; quando há expectativas.
Também se espera alguma coisa do desconhecido.
O paradigma da normalidade, por exemplo.
Esquivam-se os amigos e os parentes; basta uma mudança sintática, uma vírgula.

Só os amantes e os doidos a usam; é lubrificante.

in A Cabeça Muda

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Saímos para a rua.
O cheiro a urina humana no nosso muro.
Excitei-me como uma cadela com o cio; aceitaria qualquer animal.
No reverso podia ler-se: ganas de extinção. 
O cheiro a mijo a marcar território; entre o sexo e a morte.
Sentada na cadeira o horizonte fica mais baixo.
O mundo concentrado em dois pólos: céu e chão.
Como quando visitamos um imóvel novo ou viajamos para um local desconhecido.
Estamos sempre a olhar para os sítios que ignoramos perto de casa.
Tornei-me estrangeira; enquanto empurravas a cadeira atrás de mim.

in A Cabeça Muda

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013


Quando a menina, por fim, está deitada na cama
- oiço-a bater por acidente com a cabeça nas grades de madeira –,
não preciso de certificar-me que dorme e ninguém me vê.
Na sala deixo o televisor ligado;
despisto o silêncio com reclames espalhafatosos no volume mínimo
e nem assim evito pôr-me a chorar.
Na sala onde ninguém me pode ver há uma varanda.
A vizinha de cima deixou cair uma cigarrilha acesa
no exacto momento em que decidi recomeçar a fumar.
Interpreto literalmente como um sinal vindo de cima; acendo o cigarro, desato a fumar.
(Uma mota arranha de passagem o silêncio)
Gosto do tabaco; mesmo com o sabor das lágrimas e do renho à mistura.
Sempre faz mais companhia que os reclames; é uma coisa que se faz com contacto físico.
Na varanda onde se eu der grito alguém pode reparar,
debruço-me no parapeito e cuspo.
Não há ninguém para acertar; é noite e ninguém passa por aqui.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A pá é a chave da tua última morada. Não penses que vais conhecer mais alguma. O terreno está pago, só falta começar com as escavações. Escolhi-te um sítio lindo. Confia em mim. É bucólico, mas perto da cidade. Não te quero desterrada depois de morta; bastou-te em vida.



in A Cabeça Muda


domingo, 24 de novembro de 2013


Astrid

Quero ser uma natureza morta Um limão pousado na fruteira
Um cacho de uvas doces tombado sobre a mesa Figos Alperces
Peixe mal amanhado Uma truta Uma fatia de salmão Outra de pão 
Uma taça de vinho Quero ser uma lebre esventrada sobre a tábua de madeira
Vísceras e sangue escorrendo para o chão
Uma poça encarnada Em extensão
Flores numa jarra partida entornado água podre Fétida Atraindo bichos
Mosquitos Baratas Homens Restos de outra natureza morta
Quero ser uma paisagem Um cadáver na paisagem A peça de caça num tabuleiro
O osso de animal selvagem 
Sem autor Sem galerista Nem comprador
Na subcave Tapada


in A Cativa

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

1.

O homem fala a verdade: primeiro com os olhos e depois com a boca - como ninguém dá conta -,
espeta um garfo no falo.

terça-feira, 10 de setembro de 2013


Heinrich Zimmer, ao contrário do seu pai, achava que a natureza do homem era tendencialmente má, pois os homens que eram bons, eram-no, apenas porque não tinham coragem suficiente, para serem o que sonharam para si. Heinrich não suportava a extrema benevolência, com que o seu pai – e a maior parte das pessoas que conhecia -, observava os horrores do mundo, e os comentava como se não fosse nada consigo, como se aquele homem, não correspondesse a si próprio também. Thomas Zimmer tinha uma tendência para desvalorizar as barbaridades cometidas pelos homens:
“O homem é mesmo assim, só pára de fazer merda, quando o cheiro se torna demasiado insuportável.”

in Disparar Sobre os Humanos de Cláudia Lucas Chéu

segunda-feira, 19 de agosto de 2013


oldman & dog, lda.
Acho que as pessoas sempre me interpretaram mal.

A minha natureza auto destrutiva não é niilismo,
porque se vocês não estabelecerem um link com o mundo,
não podem criar arte.
Posso não gostar dos humanos,
e ter aversão a mim mesmo,
mas não sou niilista. Sou misantropo. E isso é diferente.
Acho que sou muito pior fora do palco.
As pessoas podem associar ser velho ao usar algália, mas
eu não tenho outro estilo de vida.
Às vezes não tenho energia pra colocar roupas ou trocar
as cuecas. Contudo, existe uma diferença entre estar ou não no palco.
Não posso desligar-me daquilo que eu penso,
e isso é essencialmente quem eu sou: qualquer um.

in Mainstream de Cláudia Lucas Chéu - ESTREIA brevemente

quinta-feira, 11 de julho de 2013


MIGUEL
Que nojo, Gabriel! Sabe que a maior violência é a própria linguagem. Somos mais violentos que os animais, simplesmente porque falamos. Só o simples facto de simbolizar uma coisa equivale à sua mortificação. Eu digo: Sasha Grey e extraio do seu nome, pornografia, sexo, poder, que nada têm a ver com um nome apenas, mas com aquilo que ele representa. Você nem precisa de estar aqui, eu posso simplesmente mencioná-la. Entende?

CHÉU, Lucas Cláudia, Violência - fetiche do homem bom, Bicho-do-Mato editora, Lisboa (2013).